quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Kikiko... Que querido, Kiko!

Não vou usar este post para despejar orações poéticas sobre os meus sentimentos quanto à morte do meu tio.

Ele faleceu hoje, às 20:26, depois de dias e dias de muita luta e sofrimento.

O tio Kiko passou grande parte da vida achando que queria morrer. Nunca quis ir ao médico, nem ao dentista. Não tinha mais muitos dentes na boca e dizia que se fosse ao médico seria só para pegar seu atestado de óbito.

O negócio dele era a cerveja, a cachaça... 15 martelinhos por dia.

Já foi de tudo um pouco nessa vida. Já foi motorista, já foi marcineiro, eletrecista, segurança, pintor, agricultor, noivo, pai de família, bom amigo e cachaceiro.

Meu pai disse que ele aproveitou a vida melhor do que nós. Não duvido.

Ele viveu tudo o que pôde com sua bicicletinha e senso de humor inabalável!

Nos últimos anos ele andava com os pés inchados, com cãibras fortes, manchas no corpo e perdendo peso... Mesmo assim nunca quis saber de médicos. Continuou vivendo a vida como se não sentisse dor: cuidando dos seus peixinhos, galinhas e cachorros; plantando flores no meio da rua, em frente ao restaurante dos seus amigos, para que eles tivessem uma vista bonita; namorando, cuidando da horta,  me dando chocolatinhos, abraços e consolos;

e bebendo, é claro.



Até que, finalmente, não muito tempo atrás, algo aconteceu. Ele pediu ajuda! QUERIA VIVER!!

Parou de beber, foi no médico, e voltou a ficar bem perto de nós: sua família.

Para aqueles que não sabem, nossa família não é muito grande. Não temos ninguém além de nós mesmos: minha tia Lúcia, meu tio Kiko e minha mãe.  Ele, o único homem da família, o caçula dos irmãos; o mais mimado pela minha, já falecida, vó.

O Kiko nunca soube o quanto nós o amávamos, o quanto a gente precisava dele, e foi descobrir isso só agora - alguns diriam que tarde demais. Eu discordo.

Lembro que algumas semanas atrás, quando ele já tinha voltado do hospital e estava morando aqui em casa conosco, minha tia Lúcia e eu estávamos conversando sobre milagres. Eu, sempre pessimista (ou realista) tinha medo que fosse tarde demais para uma cura. Achava que só um milagre pudesse fazer ele ficar bem de novo.

Ela me falou as palavras que eu jamais vou esquecer: que talvez o fato de a nossa família estar tão unida novamente fosse o verdadeiro milagre. O milagre que esperávamos já estava acontecendo!

Não foi tarde demais! Foi na hora certa, no tempo limite.

Nesses últimos meses nós fomos muito felizes, o Kiko foi muito feliz - não há dúvida quanto a isso.

Aqui em casa nós dormíamos todos juntos na sala. Os três irmãos lembravam de brincadeiras de infância, de professores do colegial, da adolescência, de grande parte da vida deles que eu nunca saberia; partes da vida que eles não ousavam lembrar! A gente assistia filmes, comia comidas saudáveis, brincava e ria o tempo todo que ele estava bem. E ele dizia estar SEMPRE bem!!!

Minha mãe e tia limparam toda a casa dele. Deixaram a casa quase como quando minha vó morava ali. Ele ficou muito feliz! Porque ele sempre gostou de tudo limpinho, sempre foi muito caprichoso... Mas mesmo com a casinha dele toda limpinha, ele continuava morando aqui em casa com a gente. Se sentia em casa, como ou mais que em qualquer outro lugar que ele já morou. Nós éramos uma família novamente!



Infelizmente, Deus talvez já tendo nos garantido um milagre, não nos concedeu outro... e a saúde do meu tio não era mais a mesma. Fomos para o hospital mais uma vez, e pela última vez.

Fizeram de tudo por ele lá, tudo que era possível ser feito pelas mãos do homem. O Kiko não queria desistir. Carinhoso e amável como sempre, ficou lá por mais um mês. Lutou pela vida dele e acreditou na vida mais do que qualquer outra pessoa que eu conheço. Ele acreditou até o último suspiro que iria ficar bem, e nós também. Seja fazendo palhaçadas quando tinha forças ou só concordando com a cabeça para dizer que estava bem, para dizer que nos amava.  



As memórias que eu tenho dele são as melhores. Lembro da vez que ele enrolou um abacate em forma de ovo de páscoa e me mentiu que era um ovo maciço de chocolate branco; das orelhas de coelho de páscoa, que era a única parte que ele comia; da vez que ele entrou aqui em casa gritando, furioso, que alguém de nós tinha pego a BICICLETA dele, repetindo a palavra BICICLETA mil vezes - o que fez minha melhor amiga quase se mijar de tanto rir; lembro da vez que ele me viu andando a pé na rua e me trouxe pra casa abraçado em mim, com muito carinho, conversando e rindo; as tantas vezes que ele batia na minha janela pra falar uma besteira qualquer, lembro da vez que ele acordou no meio da noite e pediu para que minha mãe e eu o ensinasse a rezar, porque ele já não lembrava mais; tenho infinitas memórias e lembro e lembro e lembro... Agora só nos resta lembrar.

Acho que cada pessoa que o conheceu tem alguma coisa boa a lembrar. Do meu tio, do irmão, do amigo, do homem corajoso, justo, humilde e sempre disposto que ele foi.

Vou amar meu tio enquanto eu existir e agradeço a ele por ter nos dado a chance de ficar ao lado dele enquanto deu.

Laurentino Lemos, o teu bichinho, tua gordinha coxuda, tua bonitinha TE AMA.

Fica bem aí onde tu está, porque essas lágrimas não são de tristeza. São de saudade e admiração pela tua força e fé. OBRIGADA POR FAZER PARTE DA MINHA VIDA, DA MINHA FAMÍLIA E DO MEU CORAÇÃO.



R.G.Andrade

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